sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

O vírus, a invasão e Salvador. Por Eric M. Delgado


Chega de hipocrisia! O maior problema de Salvador nunca foi o Aeroclube, nem a praia, nem o transporte público, nem o engarrafamento. Este é conhecido no Rio de Janeiro como favela; aqui, em Salvador, usa-se uma linguagem mais culta: invasão. Independente de como é conhecido, o uso irregular e descontrolado do solo se transformou num vírus em Salvador. Num dia, a invasão possui 3 barracos; noutro, são 10 casas de bloco; noutro, é um bairro. Que o diga os "bairros" Bate-Facho, Gamboa de Baixo, Planeta dos Macacos, Bairro da Paz, Nordeste de Amaralina, e a lista continua... e não acaba. A energia, normalmente "gato"; o esgoto, inexistente; acesso às redes de telecomunicações, apenas telefonia fixa e olhe lá! E a lista de falta de infraestrutura também não acaba... não há escola, hospital. E o Estado não apresenta um projeto para eliminar as invasões, pois, inevitavelmente, este demoraria 5, 10 ou 20 anos para ser finalizado. Mas, independente deste projeto existir ou não, é certo que não teria sucesso se as invasões que surgem no dia a dia não forem contidas no seu início. O Bate-Facho era formado por poucas barracas. Hoje é um bairro e sua piscina é a Lagoa de Pituaçu. E os outros, as pessoas que pagam IPTU e moram na Pituba, Barra e Ribeira, têm medo de frequentar a Lagoa, que era, para mim, até mais impressionante do que o Farol da Barra, quando vista de um avião. Hoje, apesar de um avião voar alto, é possível ver o Bate-Facho e, do outro lado, apenas o grito mudo do Estado, mais uma vez, perdendo força. A invasão ganhou. E ganha força, também, em outros terrenos espalhados na cidade, principalmente os públicos, como, por exemplo, o terreno atrás do Bom Preço da Orla, ao lado do Restaurante Picuí, que está ocupado por cerca de 7 barracos há meses. Não precisa ser vidente para ver o Estado se omitir e esse terreno, que é reservado para uma praça que nunca saiu do papel, ser ocupado por 50, 100 ou 200 casas de bloco. Não culpo os invasores. Estes são, normalmente, pobres. Culpo a União que mês após mês bate recorde de arrecadação. Culpo o Estado que abandonou a Ilha de Itaparica por mais de uma década e agora vem com utopia: a ponte. Com o dinheiro dessa ponte é possível reestruturar Salvador, eliminando boa parte das invasões e levando dignidade às pessoas. Culpo, também, é claro, a Prefeitura que se omite na fiscalização. Afinal, onde está a Sucom que não averigua as demandas cadastradas no Salvador Atende?!? Afinal, o que é mesmo o Salvador Atende?!? Nos últimos meses fiz dezenas de solicitações, mas nenhuma delas foi solucionada. Quando uma denuncia aparece no jornal, contudo, aí está a Sucom posando para fotos, controlando o uso do solo. Meu Deus, cansei de usar o seu nome em vão. Como diria Rocha, vilão de Tropa de Elite 2, "quer me f... me beija antes".
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Eric é colaborador do Blogstorm.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

ABANDONO NA NOITE DE NATAL - Por Andréia Terciotti Dioclecio

ABANDONO NA NOITE DE NATAL
A triste realidade dos menores abandonados nas noites da cidade grande.

Vinte e quatro de Dezembro, faltando poucos minutos para um novo dia e o menino deitado na calçada sonha acordado, porém de olhos fechados.
E sonhava com tantas coisas absurdas. Quem eram seus pais? Onde estavam seus irmãos? Quando sairia daquela situação? Será que dessa vez Papai Noel lhe traria o carrinho de brinquedo que esperava desde os quatro anos de idade?
Talvez nem fosse esse o seu sonho, mas a sua realidade estava repleta de maus momentos, pois estava morrendo de fome, enjoado pelo mau cheiro do corpo causado pela falta de roupas limpas e de um lugar para tomar banho, cansado de vagar por muitas horas a fio pelas ruas.
Por que nesse momento não aparece ninguém? Nem benfeitores travestidos de Papai Noel, nem os funcionários da Prefeitura que justamente hoje estão em suas casas cuidando de suas famílias. Não aparecem os defensores dos direitos humanos e nem os políticos que, a cada quatro anos, prometem cuidar da sociedade.
A noite de Natal celebra o nascimento do menino Jesus, todos deveriam refletir sobre o sofrimento dos pais desse menino, que se tornaram santos por conseguir trazer à luz, uma criança que ainda iria mudar o mundo de alguma forma e jamais gostaria de ver um dos seus nessa situação.
Aquele menino também esperava mudar o seu mundo, queria ser um doutor e ter a capacidade de mudar a sua própria vida, mas não tinha acesso a educação.
Queria um lar de paz, longe das prostitutas e dos traficantes que o puseram sozinho no mundo, mas como eles, era viciado em drogas.
Queria apenas um colo onde pudesse receber um carinho ou um consolo antes de voltar às ruas que o acolhiam.
Enfim, o menino acabou adormecendo ao relento, cansado da frenética busca por um abrigo e, justamente nessa noite, quando todos comemoram o Natal de Nosso Senhor, iria dormir na rua sem direito a um prato de sopa ou um cobertor para se abrigar do frio.
E adormeceu sob a luz do poste, sem saber se conseguiria abrir os olhos ao amanhecer, pois estava entorpecido de tanto cheirar o tubo de cola de sapateiro que conseguira trocar por umas peças roubadas de uma loja do centro da cidade.
E os seus sonhos? Será que ainda encontraria o seu presente na única meia furada que tinha? Ou a ventania carregaria seus trapos e sonhos que sumiriam na sarjeta?
E assim seguiu sonhando acordado com os olhos fechados, até que seu único e fiel companheiro, um cão abandonado, o deixou a par da realidade ao acordá-lo desse sonho irreal. Lambeu-lhe o rosto clamando por um pouco de atenção e carinho, para juntos saírem à busca de algum alimento para abrandar a fome.
Essa é a cruel realidade que pode ser encontrada nas esquinas de algumas capitais ou grandes cidades brasileiras. Não só na noite de Natal, mas também nesse exato momento, bem pertinho da sua casa a espera de sua atitude.
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Andréia Terciotti é profissional de Recursos Humanos