terça-feira, 27 de agosto de 2013

Amor à Vida por Lucirino Fernandes


Qual é a MORAL DA HISTÓRIA passada na novela da TV GLOBO (às 21h)? 
Nas férias assisti uns 4 capítulos (fazia tempo que não assistia novela) e realmente não consegui entender a mensagem do digníssimo autor (o que é o tal “Amor à Vida”):
O cerne da novela é uma família TRADICIONAL. O pai (Antônio Fagundes, Presidente de uma Clínica de renome), que no dizer de hoje pode ser chamado de preconceituoso, homofóbico, conservador e autoritário, trai a esposa com sua secretária (que busca ferrar com ele no futuro – sentimento de VINGANÇA), contudo, no passado gerou uma filha fora do casamento (Paloma de Oliveira), bem como já “pegou” a mulher do filho. O coitado do filho (Matheus Solano) assumiu a paternidade sem saber do caso, mas não demonstra qualquer afeto por seu filho (na verdade ele é um gay buscando sai do armário e ser FELIZ com seu verdadeiro amor). 
A filha (Paloma de Oliveira) se apaixona e engravida de um MACONHEIRO (também vítima das circunstâncias da vida), mas, quando a criança nasce, o irmão (Solano) SEQUESTRA e ABANDONA criança em um lixão. No mesmo dia a criança é achada por um homem (Salvador) que é pai em face do VÍNCULO AFETIVO ( mas FALSIFICA DOCUMENTO para se apresentar como pai). Mais tarde o pai aparece (o maconheiro redimido), sequestra a criança (filha biológica) e demonstra sinais de que é um SOCIOPATA, sendo ajudado por amiga (mulher com relações estreitas com TRÁFICO DE DROGAS).
O filho gay (Solano) diretor da Clínica sacaneia e esculhamba com todo mundo (CRIMINOSO ESPERTO), mas que na verdade é uma vítima do pai HOMOFÓBICO (a mãe não é conservadora, pois, entender a homossexualidade do filho – uma boa mãe). 
Na Clínica trabalha dois médicos heterossexuais casados formalmente, mas que na verdade são apaixonados (a paixão é traduzida como transar no carro, na clínica, onde der - como faz os animais - rsrsrsrs). Na Clínica trabalha um advogado gay que quer ser pai e para isso transa com a amiga de seu parceiro para enfim realizar seu sonho de ter uma FAMÍLIA HOMOAFETIVA (o sexo com a mulher é um sacrifício necessário, fato que em nada altera sua homossexualidade). Ademais, existe na clínica uma mulher que é doida para perder a virgindade a qualquer custo, mas nunca da certo.
Na Clinica existe ainda um Médico (casados por duas vezes) com alto cargo, mas que perde a memória e se casa com mais uma mulher (Bigamia). Após recuperar a memória ver a realidade e fica confuso e indeciso entre duas mulheres (uma rica e outra pobre). A mulher pobre possui uma única filha (engraçada e piradinha - fora da casinha) que também tem um único objetivo: dar o tal GOLPE DA BARRIGA em um milionário (ensinamentos da sua mãe) e para isso abre mão de tudo, inclusive, do seu amor verdadeiro (um cara chamado de PALHAÇO).

BEM, ESSE É O RETRATO QUE A GLOBO MOSTRA DA FAMÍLIA BRASILEIRA E QUE TODO MUNDO ACHA GRAÇA!

Lucirino Fernandes é um grande amigo e colega de trabalho na Anatel.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

"Precisa-se de Matéria Prima para construir um País" Por João Ubaldo Ribeiro


Texto retirado do jornal do meio ambiente, publicado em 14 de novembro de 2005, por João Ubaldo Ribeiro. 


A crença geral anterior era que Collor não servia, bem como Itamar e
Fernando Henrique. Agora dizemos que Lula não serve.
E o que vier depois de Lula também não servirá para nada..

Por isso estou começando a suspeitar que o problema
não está no ladrão corrupto que foi Collor, ou na farsa que é o Lula.
O problema está em nós. Nós como POVO.
Nós como matéria prima de um país.

Porque pertenço a um país onde a ESPERTEZA" é a moeda
que sempre é valorizada, tanto ou mais do que o dólar.

Um país onde ficar rico da noite para o dia é uma
virtude mais apreciada do que formar uma família, baseada em valores e
respeito aos demais.

Pertenço a um país onde, lamentavelmente, os jornais
jamais poderão ser vendidos como em outros países, isto é, pondo umas
caixas nas calçadas onde se paga por um só jornal...
E SE TIRA UM SÓ JORNAL, DEIXANDO OS DEMAIS ONDE
ESTÃO.

Pertenço ao país onde as "EMPRESAS PRIVADAS" são
papelarias particulares de seus empregados desonestos, que levam
para casa, como se fosse correto, folhas de papel, lápis, canetas, clipes
e tudo o que possa ser útil para o trabalho dos filhos ...e para eles mesmos.

Pertenço a um país onde a gente se sente o máximo
porque conseguiu "puxar" a tevê a cabo do vizinho, onde a gente frauda a
declaração de imposto de renda para não pagar ou pagar menos impostos.

Pertenço a um país onde a impontualidade é um hábito.

Onde os diretores das empresas não valorizam o
capital humano.

Onde há pouco interesse pela ecologia, onde as
pessoas atiram lixo nas ruas e depois reclamam do governo
por não limpar os esgotos.

Onde pessoas fazem "gatos" para roubar luz e água e
nos queixamos de como esses serviços estão caros.

Onde não existe a cultura pela leitura (exemplo maior
nosso atual Presidente, que recentemente falou que é "muito chato
ter que ler") e não há consciência nem memória política, histórica nem
econômica.

Onde nossos congressistas trabalham dois dias por semana para aprovar
projetos e leis que só servem para afundar ao que não tem, encher o saco
ao que tem pouco e beneficiar só a alguns.

Pertenço a um país onde as carteiras de motorista e os certificados
médicos podem ser "comprados", sem fazer nenhum exame.

Um país onde uma pessoa de idade avançada, ou uma mulher com uma criança
nos braços, ou um inválido, fica em pé no ônibus, enquanto a pessoa que
está sentada finge que dorme para não dar o lugar.

Um país no qual a prioridade de passagem é para o carro e não para o
pedestre. Um país onde fazemos um monte de coisa errada, mas nos
esbaldamos em criticar nossos governantes.

Quanto mais analiso os defeitos do Fernando Henrique e do Lula, melhor me
sinto como pessoa, apesar de que ainda ontem "molhei" a mão de um guarda
de trânsito para não ser multado.

Quanto mais digo o quanto o Dirceu é culpado, melhor sou eu como
brasileiro, apesar de ainda hoje de manhã passei para trás um cliente
através de uma fraude, o que me ajudou a pagar algumas dívidas.

Não! Não! Não! Já basta!!.

Como "Matéria Prima" de um país, temos muitas coisas boas, mas nos falta
muito para sermos os homens e mulheres que nosso país precisa.

Esses defeitos, essa "ESPERTEZA BRASILEIRA"
congênita, essa desonestidade em pequena escala, que depois cresce e evolui até
converter-se em casos de escândalo, essa falta de qualidade humana, mais do
que Collor, Itamar, Fernando Henrique ou Lula, é que é real e
honestamente ruim, porque todos eles são brasileiros como nós, ELEITOS POR NÓS.
Nascidos aqui, não em outra parte...

Me entristeço.

Porque, ainda que Lula renunciasse hoje mesmo, o próximo presidente que
o suceder terá que continuar trabalhando com a mesma matéria prima
defeituosa que, como povo, somos nós mesmos.
E não poderá fazer nada...

Não tenho nenhuma garantia de que alguém o possa fazer melhor, mas
enquanto alguém não sinalizar um caminho destinado a erradicar
primeiro os vícios que temos como povo, ninguém servirá.
Nem serviu Collor, nem serviu Itamar, não serviu Fernando Henrique, e nem
serve Lula, nem servirá o que vier.

Qual é a alternativa?

Precisamos de mais um ditador, para que nos faça cumprir a lei com a
força e por meio do terror?

Aqui faz falta outra coisa.
E enquanto essa "outra coisa" não comece a surgir de
baixo para cima, ou de cima para baixo, ou do centro
para os lados, ou como queiram, seguiremos
igualmente condenados, igualmente estancados....igualmente sacaneados!!!

É muito gostoso ser brasileiro.
Mas quando essa brasilinidade autóctone começa a ser
um empecilho às nossas possibilidades de desenvolvimento como Nação, aí a
coisa muda...

Não esperemos acender uma vela a todos os Santos, a ver se nos mandam um
Messias.

Nós temos que mudar, um novo governador com os mesmos
brasileiros não poderá fazer nada.
Está muito claro... Somos nós os que temos que
mudar.

Sim, creio que isto encaixa muito bem em tudo o que
anda nos acontecendo:
desculpamos a mediocridade mediante programas de
televisão nefastos e francamente tolerantes com o fracasso.
É a indústria da desculpa e da estupidez.

Agora, depois desta mensagem, francamente decidi
procurar o responsável, não para castigá-lo, senão para exigir-lhe (sim,
exigir-lhe) que melhore seu comportamento e que não se faça de surdo, de
desentendido.

Sim, decidi procurar o responsável e ESTOU SEGURO QUE
O ENCONTRAREI QUANDO ME OLHAR NO ESPELHO.

AÍ ESTÁ. NÃO PRECISO PROCURÁ-LO EM OUTRO LADO.

E você, o que pensa?.. MEDITE! 


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João Ubaldo Ribeiro é escritor consagrado. Baiano da ilha de Itaparica. Particularmente gosto muito de seus livros e textos.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

O letreiro lá do alto por Marcelo Torres

Desde os tempos de Salvador, toda vez que passava pelo Rio Vermelho, a pé ou de carro, porque de ônibus ou de bicicleta não dava pé, este pecador prestava atenção num letreiro há anos pregado lá no alto de um templo:

“Arrependei-vos e crede no Evangelho.”




De dia, indo ou vindo, ali entre o Largo da Mariquita e o Largo de Santana, há de se notar a famosa frase bíblica, um chamado para a conversão que teria sido feito por Jesus Cristo, segundo Marcos.

Curioso – talvez estratégico – é que o aviso reluz alto entre notórias casas profanas da cidade, como o Boteco do França, o Botequim São Jorge e o Bar Padaria, na mais famosa zona boêmia de Salvador.

À noite, então, é que o imperativo fica ainda mais vistoso, porque iluminado em verde neon. Já de longe se vê a frase, que paira sobre carros, ônibus, postes, prédios, pessoas, árvores.  

“Iemanjá se mira
Em seu líquido espelho
De búzios e luzes
Quando a voz atroz
Dublando Jeová
Adverte Iemanjá
Num tom grisalho, velho:
Arrependei-vos
E crede no Evangelho!” (Canção do Monte Conselho, Nei Lopes)

Não há como não reparar o chamativo neon verde.

Veem-no os dois banhistas da noite, que se demoram entre pedras e areias; os andantes que vagam sem pressa pelas calçadas; os meninos que vendem amendoim nas mesas dos largos; os homens e mulheres a beber e comer.

Avistam-no os viajantes, de lá das janelas dos hotéis ou das piscinas nos terraços. Quantos, ali, viajam a negócios? Quantos são turistas? Quantos visitam igrejas?  Quantos são os gringos? Quantos fazem turismo sexual?   

Arrependei-vos e crede...

E veem-no, do alto dos prédios, os moradores do Rio Vermelho, de Amaralina e da Vasco da Gama, para que se arrependam de toda gula e avareza, da ira e da luxúria, da inveja, da preguiça, da vaidade.

Arrependei-vos, ó reles pecadores!

Desde os tempos em que morava em Salvador, toda vez que passava pelo Rio Vermelho, eu sempre olhava lá para cima, não necessariamente para me arrepender e crer, mas sim para contemplar aquela conjugação.

Achava divina a conjugação do verbo crer. Admirava esse imperativo afirmativo, ainda mais na segunda pessoa do plural - crede vós. E lá vinha o futuro do presente do indicativo: eu crê-lo-ei; tu crê-lo-ás; ele crê-lo-á; nós crê-lo-emos; vós crê-lo-eis; eles crê-lo-ão.

Crê-lo-ão eles, os crentes?

E viajava no verbo até o pretérito perfeito simples: eu cri, tu creste, ele creu, nós cremos, vós crestes, eles creram. Nessa viagem, o “cri” e o “creu” faziam surgir uma voz a indagar:

- É cri mesmo?
- Sim, verbo crer, primeira pessoa do....
- E esse creu! É creu mesmo?
- Sim, ele creu.
- Ele creu?!?
- Sim: é terceira pessoa do singular do pretérito...
- Chega! Cruz credo!

Esses dias, revisitando Salvador, ainda no hotel, entrei no Google e dei um pulo na Tabacaria - a Tabacaria de Álvaro de Campos, o heterônimo de Fernando Pessoa - e lá estava o “cri” num verso, um verso que parecia epitáfio: “Vivi, estudei, amei, e até cri”.

Outra busca eletrônica e chego à Poesia Seleta do pernambucano Benedito Cunha Melo:

Fez-me lembrar a voz do grilo
Noite adentro, aqui, ali
A paz do mundo tranquilo
Em que já cri...ci...cri.

Então, lá fui eu: Pituba, Amaralina, Rio Vermelho, Mariquita e, lá no alto: “Arrependei-vos e crede no Evangelho”. Descendo a vista, porém, via-se na parede bege do templo evangélico uma pichação:

“Enfia a mão no bolso, querido irmão”.


Se não estivesse na Soterópolis, a cidade do Salvador, capital da Bahia de Todos os Santos, talvez eu não tivesse crido. Mas cri – sem enfiar a mão no bolso, óbvio. E só cri porque vi. 
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Marcelo Torres é cronista e gentilmente autorizou a reprodução de suas crônicas no Blogstorm
Se gostou das crônicas do Marcelo, entre em contato através do e-mail marcelocronista@gmail.com